ONG que trata lixo eletrônico do DF e Entorno encerra as atividades

Estação de Metarreciclagem em Valparaíso (GO) teve a licença ambiental negada em 2018 pela prefeitura. Entidade já capacitou 3 mil alunos

Funcionários da Estação de Metarreciclagem em Valparaíso de Goiás (GO), município goiano a 40 km de Brasília, no Entorno do Distrito Federal, anunciaram nessa sexta-feira (17/05/2019) que decidiram encerrar as atividades no galpão.

Há cerca de duas semanas, os colaboradores da estação já trabalhavam com as portas fechadas. O projeto, referência mundial em tratamento de lixo eletrônico da organização não governamental (ONG) Programando o Futuro, está na região desde 2014, mas teve a licença ambiental negada pela prefeitura em julho do ano passado e, mesmo já tendo vencido o tempo necessário, o processo não foi finalizado.

Agora, por causa do impasse com o poder público, a instituição fechou as portas e cogita procurar um novo município para se instalar e garantir a continuidade do trabalho prestado.

Desde sua implantação no município goiano, a Estação de Metarreciclagem já tratou 2,5 mil toneladas de lixo tecnológico e gerou mais de 200 empregos. A ONG é a única que recebe e separa esse tipo de material no Entorno e no DF.

O projeto funcionava no espaço havia seis anos. Até 2017, o licenciamento era emitido pelo estado de Goiás. No ano passado, a responsabilidade passou a ser da prefeitura, que não liberou mais o documento.

“Comunicamos oficialmente que estamos encerrando as nossas atividades para a comunidade. Pedimos um prazo de 30 dias para retirar e processar todo o material que está lá dentro. Nós fomos uma das primeiras instituições a pedir o licenciamento e, infelizmente não o obtivemos. Antes, tínhamos a dispensa e agora que conseguimos dar um salto de qualidade, esse avanço não se efetivou”, disse o coordenador-geral da ONG, Vilmar Simion.

Simion explicou que esse é um processo que se arrastou por pelo menos 10 meses. “Nós demos entrada no pedido de licenciamento para instalação e funcionamento. Houve várias idas e vindas, além de diligências. A maior delas foi a readequação do termo de convênio e, mesmo assim, continuamos sem o documento até a presente data.”

Ainda de acordo com Vilmar, a cada momento eles faziam novas exigências com menos embasamento técnico. “Na minha opinião, a prefeitura e os gestores locais têm dificuldade em entender a dimensão do que a gente faz. Não conseguimos ter uma licença ambiental no quintal da nossa casa, mas temos o reconhecimento da Organização das Nações Unidas (ONU) como a melhor tecnologia do mundo para tratamento de lixo eletrônico”, afirmou.

“Na primeira semana de maio, nós recebemos a licença incompleta. Ela representa menos de 5% das atividades que nós fazemos e é totalmente indiferente ao objeto solicitado. Fizemos uma reunião com o prefeito em 6 de maio e ele se comprometeu, no prazo de cinco dias úteis, a entregar o documento adequado para a gente”, contou Vilmar.

Com o prazo estipulado, a expectativa era a de que a licença fosse concedida à ONG até a última segunda-feira (13/05/2019), o que não ocorreu. “O prefeito não nos deu posicionamento algum e, por isso, não encontramos outra saída a não ser fechar as portas”, defendeu o coordenador.

Imbróglio
Em 15 de abril, a prefeitura mandou para a ONG uma certidão dizendo que “ficou evidente que, do ponto de vista ambiental, se faz necessário melhor acondicionar os itens depositados a céu aberto, uma vez que se encontram diretamente ao solo”, resume o texto.

O governo municipal disse, ainda, que a Programando o Futuro realiza atividades não previstas no “Termo de Parceria”, tal qual a reciclagem de materiais diversos, confecção de filamento para impressora 3D, bem como confecção de peças em 3D.

A ausência do licenciamento ambiental fez com que o projeto perdesse oito parcerias, entre elas quatro nacionais, devido à falta de amparo legal. Antes de anunciar o encerramento das atividades na sexta (17/05/2019), outros quatro parceiros também tinham anunciado a intenção de desistir.

“O mais recente que nós perdemos estava conosco havia mais de 14 anos e rompeu a parceria em 8 de maio. Isso fragilizou muito a gente e, sabíamos que se continuasse acontecendo, poderia inviabilizar em definitivo a continuidade dos trabalhos do projeto”, disse Vilmar.

Segundo ele, resíduos eletroeletrônicos têm o valor muito baixo, com custos operacional e logístico altíssimos. “Dificilmente empresas sobrevivem neste setor. Nós ainda conseguíamos por sermos uma ONG, por ter o apelo da sociedade e pela questão do trabalho com transparência, que faz com que as pessoas sejam estimuladas a descartar.”

Em todos esses anos, o projeto promoveu capacitação a mais de 3 mil alunos e também estágio remunerado a 240 ex-alunos. Nesse período, 6,5 mil computadores foram doados.

Impacto social
A preocupação do projeto não é só com o meio ambiente. Com o encerramento das atividades, cerca de 30 trabalhadores serão demitidos, além de interromper o processo de capacitação profissionalizante que anualmente beneficia quase 700 pessoas.

Kelly Cristina dos Reis, 30 anos, é responsável pelo laboratório de recondicionamento da ONG e estava na instituição havia um ano. Segundo ela, o fechamento do espaço terá consequências negativas para toda a comunidade.

“Além da questão do emprego, a estação representa muito para esse município. Pais de adolescentes costumam procurar a instituição com um pedido de socorro para tirar os filhos do mau caminho e dar uma oportunidade de emprego a eles”, comentou.

O supervisor de logística Filipe Alves Araújo Ferreira, 34, também lamentou o impasse com a prefeitura. “Temíamos pelo encerramento das operações em definitivo. É um local que todos já conhecemos

. O nosso trabalho, além de comprometido, fica ameaçado. Isso nos deixa em uma situação delicada.”

O outro lado
Segundo parecer técnico emitido pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Agricultura, a Estação de Metarreciclagem de Valparaíso precisava, primeiramente, fazer adaptações externas para a emissão da licença ambiental, como a adequação do empreendimento quanto à impermeabilização da base exterior, sinalização de segurança e identificação dos resíduos armazenados, além do ajuste do objeto do convênio.

Por meio de nota, a prefeitura destacou ser favorável à continuidade dos trabalhos realizados pela ONG, mas, como recebedores de resíduos eletrônicos, “a atividade a ser licenciada deve se adequar aos termos previstos, como qualquer outra entidade conveniada com o município”.

“Os responsáveis pela ONG foram notificados e já realizaram as adequações ambientais necessárias. Agora falta, apenas, o ajuste aos termos do convênio, pois a Estação de Metarreciclagem realiza, atualmente, outras atividades que não estavam previstas. A secretaria ressalta ainda que, atendidas as adequações do convênio, a licença ambiental será emitida em conformidade com as atividades previstas nos termos do objeto”, explica texto da nota, emitido antes de a entidade anunciar o fechamento.

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